12 março, 2008

Recreio

O carrossel continua a rodar se bem que as crianças há muito que regressaram à sala de aula.
Um homem, parado do outro lado da rua, continua a escutar a alegria. Sorri para dentro. Penso que observa uma única criança. Segue-a enquanto ela desce no escorrega. Corre para trás, sobe outra vez os pequenos degraus, e atira-se em nova inesperada descida.
O homem abana ligeiramente quando algum carro passa demasiado rente, demasiado depressa, mas não se mexe. Até que a campainha soa. E as crianças voltam a ocupar o movimento contínuo do recreio da escola.

06 março, 2008

Augúrio

Os pássaros começaram a empoleirar-se na árvore. Pombas, corvos, melros, pardais, democraticamente, partilhando troncos e galhos sem olhar a espécie e qualidade de canto.
A árvore curvou-se com o peso. De longe, parecia uma árvore gorda de felicidade; a uma janela, alguém pensou é primavera, sim, está quase.
Os pássaros continuavam a chegar. Submergiam das profundezas do nevoeiro – no céu de hoje vêem-se coisas que não se podem contar sem cegar.
Os pássaros encaixavam-se, sem cotoveladas nem queixas, obedientes como bailarinos de companhia. De alguma forma, é uma coreografia que nasceu com eles, foram treinados toda a vida para este dia.
Uma cegonha colocou-se no ramo mais alto como a estrela das decorações de natal e os pássaros ficaram calados e quietos, só faltavam as águias.
Até que os pássaros, concertadamente, começaram a bater as asas.

A árvore sobrevoou o parque, a estação de metro, a universidade e a rua de compras, atravessou o rio rente ao parlamento e à catedral; e depois deu a volta. Círculo após círculo, os pássaros avisavam a cidade.

Baixo a cabeça. Apenas um ponto no céu, as árvores não voam. E os pássaros há muitos muitos anos que não dizem o oráculo.