10 agosto, 2007

George

Foram as mãos que o denunciaram. Uma jovem que é velha, uma mulher que é homem, um conquistador que é tímido, um gentleman que é mendigo, uma companhia sã que é louca – são sempre as mãos que denunciam. Quando reparei nas suas mãos, apressei a conversa, menti uma desculpa com uma parte de horas e duas de afazeres, e despedi-me. Sem aperto de mão.
Quando penso em George não o vejo a avançar com ar de quem não sabe o que está ali a fazer para a única pessoa com o mesmo ar – eu. Não vejo a barba branca nem os olhos expectantes por trás dos óculos. Nem sequer me lembro do que conversámos sentados com tempo num palco vazio enquanto à nossa volta, no centro de imprensa, as pessoas que sabiam o que estavam ali a fazer faziam muitíssimas coisas sem tempo nenhum. A dada altura, George abriu o saco (notei que o saco era um saco de desporto e não uma mala de trabalho e estava bastante coçado) e tirou o material de promoção do seu partido – neste caso, justifica-se dizer o “seu partido” porque George era o partido e o partido era George -: papéis, t-shirt, até um cd. Foi aí que reparei nas mãos. E as mãos não condiziam com o resto.
Agora quando penso em George, ele está à janela, em Londres, mais precisamente em Hampstead (tive sempre a certeza que George era do bairro mais intelectual de Londres e acertei, fui pesquisar), com vista para o Heath.
Tem as mãos no parapeito. As tais mãos que o denunciaram – um político que é sonhador. Até que alguém vem fechar a janela porque chove. Talvez uma filha que lhe limpe as mãos que ele nem as notou molhadas. George olha pela janela. Só ele sabe o que vê. Só ele sabe como será o mundo, um dia – muito diferente deste, em que os políticos têm mãos de sonhadores e os sonhadores mãos de políticos.

1 comentário:

AgilulfoEmoBertrandino disse...

Meu Deus,que susto! Por momentos pensei que falava de George Galloway...