Tens uma ideia?, telefonou-me ontem uma editora do jornal PÚBLICO. Era uma pergunta, mas eu tomei-a como uma afirmação: de certeza que tens uma ideia. Qual é a tua ideia?, acho que era essa a pergunta que ela queria fazer. Afinal, eu tinha ido cinco dias a Belfast escrever sobre as eleições, na primeira semana de Março, e desde aí, ainda não tinha parado de escrever sobre a Irlanda do Norte – de certeza que tens uma ideia, Susana. De certeza, tens algo para dizer no dia em que aconteceu o que mais se desejava, no dia em que Ian Paisley e Gerry Adams se sentaram à mesma mesa, no dia em que falaram um com o outro.
Já te ligo, disse-lhe em pânico.
Fui folhear os três blocos de notas que tinha preenchido em Belfast: fiz listas das citações inesquecíveis que entretanto tinha esquecido, dos pensamentos dignos de serem chamados assim, dos nomes das pessoas a quem podia voltar a telefonar para ter uma reacção.
Depois, fui fazer outra lista para confrontar com as primeiras – das histórias que já tinha escrito para o PÚBLICO sobre a Irlanda do Norte: o que é que eu teria deixado de fora, o que é que ainda podia aproveitar?
Listas sabidinhas na cabeça, não só continuava sem saber o que escrever, como percebi que o conteúdo daquelas listas ia todo dar ao mesmo.
Enquanto revia trabalho por medo de me repetir, concluia que, apesar dos títulos e temas diferentes, estive sempre a repetir-me, a dizer a mesma coisa: as pessoas da Irlanda do Norte querem andar com as suas vidas para a frente.
E porque é que agora – que ontem se confirmou que o governo de coligação Sinn Féin/DUP arranca, embora com arranque adiado para início de Maio – haveria de dizer diferente?
Foi essa a mensagem da votação nas eleições, é esse o significado do encontro histórico de ontem, e é isso que os políticos irão fazer em governo autónomo – ajudar as pessoas a andar com as vidas para a frente.
Água mole em pedra dura... – podia ser este o ditado da Irlanda do Norte. Tudo tem que ser repetido, repetido até entrar. Portanto, só posso continuar a escrever o mesmo: as pessoas da Irlanda do Norte querem andar com as vidas para a frente.
Só há uma coisa que posso acrescentar: as pessoas da Irlanda do Norte merecem. Já tinha dito que os irlandeses são uma simpatia? Se calhar não disse, em tantas reportagens.
Cada vez que me perguntam como foi a Irlanda do Norte, não respondo com o trabalho correu bem ou a cidade é bonita. A primeira coisa que digo é: os irlandeses são uma simpatia.
Generosidade quer dizer dar mais do que aquilo que se pede. Os irlandeses do Norte deram-me muito mais do que as minhas perguntas pediam. Foram muito mais generosos comigo do que aquilo que eu fui com eles: nem sempre abrindo as minhas perguntas às respostas deles.
Quando fui para a Irlanda do Norte, ia cheia de ideias. Achava que sabia o que era preciso dizer, achava que sabia do conflito, do pós-conflito, que sabia tudo. As ideias deixei-as todas lá. Voltei vazia de ideias, sem saber coisa nenhuma.
Peço desculpa, mas não tenho nenhuma ideia. Seria preciso voltar a Belfast. A partir do dia de ontem, é preciso voltar, e começar o trabalho de novo, e então sim, talvez tivesse uma ideia, uma que fizesse justiça às pessoas da Irlanda do Norte.
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4 comentários:
"A moral do vento é outra,
e está toda no modo como ele toca na água:
faz o que tem a fazer e parte"
Gonçalo M Tavares
beijos pela janela, paulo
O povo do Norte da Irelanda é um povo com uma esperança enorme que tudo corra bem. Apesar de parecerem à primeira vista decepcionados com o rumo da política.
Outra coisa que me admira neles é q o carpe diem está embrenhado neles, a alegria extravasa aos fins de semana. Uma vez o Ned disse-me que eles passaram por tanto no último século que Hoje os dias são uma riqueza enorme; apesar do Ned e outros terem familiares e amigos que foram mortos monstruosamente.
Nao há putro sítio como a Irlanda do Norte.
muito bem escrito, tambem ouvi dizer que os irlandeses sao assim. foi um gosto ler. beijinhos, joana
Ainda bem que abriste esta janela para o Reino Unido. Já não era sem tempo.
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