30 março, 2007

Regresso a casa, de metro, à noite e

O metro pára, tiro os olhos do livro, e reparo que a mulher à minha frente chora.
É imperceptível aquela lágrima, mas temo que lhe possa marcar a maçã do rosto para sempre. Desce-lhe pelo rosto tão lenta que parece estar parada, aquela lágrima nunca mais irá acabar de cair.
Não me choca que a mulher chore. Quantas mulheres sozinhas, desconhecidas, anónimas, já vi chorar em Londres? Uma numa paragem de autocarro, uma dentro de um autocarro. Vi até uma mulher chorar pela rua sem parar de caminhar.
Choca-me isto: perdi-lhes a conta, perdi-lhes mesmo a memória, nem caras, nem lágrimas, nem sons, e os nomes nunca os saberei.
Choca-me que escreva isto, que o descreva. Que olhe para esta mulher que chora com esta calma; com este detalhe - de contar quanto tempo tem a lentidão de uma lágrima (podia até dizer que a mulher estava toda vestida de negro o que seria sinal inequívoco de viuvez, noutros tempos, noutros tempos, podia dizer ainda que me repugnou o cabelo demasiado comprido da mulher) -; com esta frieza.

“Senhoras e senhores, pedimos desculpa pela interrupção. A razão pela qual estamos parados é porque fomos demasiado rápidos e agora temos que esperar.” Pergunto-me se alguma vez acontecerá o mesmo a Londres: perceber que vai demasiado depressa, e ter que parar, ter que esperar.

3 comentários:

Antonieta disse...

Fiquei emocionada. Revi-me nessa figura a chorar no metro, não sei porque mas é um lugar propício, talvez porque sou eu e o metro ao seu ritmo, só me resta contemplar os outro ou a palavra escrita por ouyros ou olhar auto-contemplar...o que de quando em quando me faz deitar uma lágrima reparadora. Obrigada e parabéns pela sua escrita. Antonieta

Rita disse...

E' tao facil sentir-se sozinho em Londres. Mesmo num metro cheio de gente. Por isso e' tao facil chorar... parece que o resto do mundo sao figurantes que nao reagem a nada. Pensava que o problema era meu, por nao me ter adaptado, mas agora vejo que mais gente sente que esta cidade anda depressa demais.

José Machadinho disse...

Gostei muito da parte do metro estar parado por ter andado depressa demais. Tb penso que um dia Londres pode ter de fazer o mesmo.