22 abril, 2007

Domingo.

Acordei com o silêncio dos sinos, pois é hoje o único dia em que o silêncio nos acorda.
Acordei aqui, podia ter acordado aí, para o mesmo dia quieto.
Ao Domingo, não existe espaço.
Domingo é só tempo. Passa.

16 abril, 2007

pésnaterracabeçanoar

No outro dia fizeram-me o reparo de que devia pôr os pés na terra (quando escrevo, se bem que se podia aplicar a quase tudo, segundo a minha mãe), e eu fiquei a pensar nessa expressão. Nessa, e na outra: cabeça no ar.
Inevitavelmente, quando andamos com os pés na terra, andamos com a cabeça no ar - esse é o estado natural de estar no mundo.
A verdade é que, para escrever - gosto de esticar as pernas no sofá ou cruzá-las junto ao corpo na cadeira - tiro muitas vezes os pés do chão.

15 abril, 2007

Mexerico global

Primeiro, os tablóides. Compram e logo vendem medos, desgraças, ódios, celebridades, ou idealmente, celebridades com medos a quem acontece desgraças que suscitam ódios.
Segundo, os jornais de qualidade. Usam e logo vendem as mesmas histórias. Legitimam e dão seriedade aos medos, desgraças, ódios, celebridades, com aquela infantilidade das crianças que dizem asneiras e justificam-se: não fui eu que disse, foi o não sei quantos... Porque é preciso falar daquilo que se está a falar. E se os media de qualidade britânicos falam, então merece ser falado, e os jornais portugueses e de outras nacionalidades, falam também.
Terceiro, os leitores. É como as telenovelas e o Big Brother: toda a gente critica, toda a gente vê. E finalmente, toda a gente compra. E isto, leva-nos ao início.

Frase solta

Londres é um campo de deslocados de 1500 km2

13 abril, 2007

Expats

Foi uma palavra que ele usou: expatriados. Eu, tu, ele próprio. Expatriados sentados à mesa expatriada de um restaurante quase turco. Ele usou a palavra depois de termos concluído que nós, vós, eles, não éramos típicos – nem de portugueses nem de bósnios nem de húngaros. E foi então que disse:
Nós - os expatriados -, estamos aqui porque na nossa terra já éramos expatriados.

11 abril, 2007

Em branco

Olho para a janela – onde mais ter a esperança de ver a inspiração a cair do céu? O meu caderno não vira a página, branco desafiador.
Há estatísticas sobre os anos que gastamos numa vida a dormir. Nunca ninguém se lembrou de medir o tempo passado assim: em branco.

10 abril, 2007

Café-escritório

Já é hora de almoço. A esta hora, em Lisboa, os cafés põe as mesas e já ninguém tem lugar para sentar numa sala vazia.
É a mesma hora em Londres: 12h00.
Ninguém come. As largas chávenas de café estão dispostas de forma casual, como se fizessem parte do conjunto de objectos pessoais que se espalham numa mesa: um portátil, jornais (pessoais apenas enquanto os folheamos; pertencem a todos), um bloco de notas, um maço de folhas impressas.
Cada mesa é um escritório circular, uma redoma de trabalho; e um refúgio público, porque também a solidão precisa de companhia.
Neste café, escrevem-se guiões, desenham-se storyboards, sublinham-se livros, fazem-se listas, escrevem-se cadernos, reescrevem-se textos.
Não se trocam palavras, nem olhares. Não é preciso. A solidariedade está instalada. Reconhecemo-nos uns nos outros: freelancers, nos cafés livres – tão livres que estamos prisioneiros da liberdade.

07 abril, 2007

Para turismo de Páscoa em Londres:

“Estas 2 casas foram a
Embaixada de Portugal
1724-1747
O Marquês de Pombal
Estadista Português
Embaixador
1739-1744
viveu aqui”

É em Golden Square, números 23 e 24 (metro: Piccadilly Circus).

02 abril, 2007

Situação com M.

- Desculpa, mas tenho mesmo que ver o que se passa. - M. olha para a chamada perdida no telemóvel, apreensiva; oito da noite, repara (e também eu reparo, o café onde estamos subitamente esvaziou) - Não é normal o meu chefe ligar-me a esta hora.
Uma ordem para voltar ao escritório, uma reprimenda, uma má notícia, uma desgraça, uma catástrofe, há fogo – é o que M. espera desta chamada. Em Portugal, sim, telefonavam-lhe muitas vezes fora de horas.
O chefe atendeu do outro lado:
- Yes... Yes... Thank you. - M. sorri - Thank you!
M. desliga, e diz, perplexa:
- Era para me dar os parabéns pelo trabalho dos últimos dias.
M. chegou a Londres há dois meses e diz que voltará para Portugal. Quase todos os portugueses que conheço aqui dizem que vão voltar para Portugal. Vão ficando...

01 abril, 2007

Contribuiçao para um manifesto de 1 de Abril

Proponho que a 1 de Abril, em vez de se contar mentiras, se conte verdades que parecem mentira. Verdades-boquiabertas, verdades-quase-nada, verdades-de-ficar-pensando-não-é-assim-tão-mau.
As verdades-que-parecem-mentira do meu 1 de Abril em Londres:
- meio do dia, e ao sol está-se bem de manga curta
- não há dúvida: o sol faz as pessoas felizes
- não há dúvida: a felicidade faz as pessoas bondosas
- o condutor do autocarro piscou-me o olho, sorriu, e deixou-me ir sem pagar bilhete (qualquer pessoa que viva em Londres, vai ficar convencida que é uma mentira de 1 de Abril, garanto que não, é uma verdade que parece mentira)
- daqui a pouco chegam visitas de Portugal, e será como se tivesse eu viajado e, hoje, chegado a casa